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Florestan Fernandes

A integração do negro na sociedade de classes

  • John Lorezhas quoted2 months ago
    dados demográficos pertinentes ao começo do século XIX revelam que o elemento negro e mulato, escravo ou livre, constituía aproximadamente 54% da população local.¹⁰
  • John Lorezhas quoted3 months ago
    Em suma, a sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de se reeducar e de se transformar para corresponder aos novos padrões e ideais de ser humano, criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e do capitalismo.
  • John Lorezhas quoted3 months ago
    No conjunto, portanto, as próprias condições psicossociais e econômicas, que cercam a emergência e a consolidação da ordem social competitiva na cidade de São Paulo, tornavam-na imprópria e até perigosa para as massas de libertos, que nela se concentravam. Doutro lado, as deformações introduzidas em suas pessoas pela escravidão limitavam sua capacidade de ajustamento à vida urbana, sob regime capitalista, impedindo-os de tirar algum proveito relevante e duradouro, em escala grupal, das oportunidades novas. Como não se manifestou qualquer impulsão coletiva que induzisse os brancos a discernir a necessidade, a legitimidade e a urgência de reparações sociais para proteger o negro (como pessoa e como grupo) nessa fase de transição, viver na cidade pressupunha, para ele, condenar-se a uma existência ambígua e marginal.
  • John Lorezhas quoted3 months ago
    Mesmo quando conseguia se inserir no sistema citadino de ocupações, ele não se polarizava na direção do futuro e, assim, não “engrenava”. Faltava-lhe coragem para enfrentar ocupações degradantes, como os italianos que engraxavam sapatos, vendiam peixes e jornais etc.; não era suficientemente “industrioso” para fomentar a poupança, montando-a sobre uma miríade de privações aparentemente indecorosas, e para fazer dela um trampolim para o enriquecimento e o “sucesso”; carecia de meios para se lançar às pequenas ou às grandes especulações, que movimentavam os negócios comerciais, bancários, imobiliários e industriais; e, principalmente, não sentia o ferrete da ânsia de poder voltado para a acumulação da riqueza.
  • John Lorezhas quoted3 months ago
    São Paulo aparecia como o primeiro centro urbano especificamente burguês. Não só prevalecia entre os homens uma mentalidade marcadamente mercantil, com seus corolários característicos – o afã do lucro e a ambição do poder pela riqueza. Pensava-se que o “trabalho livre”, a “iniciativa individual” e o “liberalismo econômico” eram os ingredientes do “progresso”, a chave que iria permitir superar o “atraso do país” e propiciar a conquista dos foros de “nação civilizada” pelo Brasil.
  • John Lorezhas quoted3 months ago
    Quando se acelera o crescimento econômico da cidade, ainda nos fins do século XIX, todas as posições estratégicas da economia artesanal e do pequeno comércio urbano eram monopolizadas pelos brancos e serviam como trampolim para as mudanças bruscas de fortuna, que abrilhantam a crônica de muitas famílias estrangeiras. Eliminado para os setores residuais daquele sistema, o negro ficou à margem do processo, retirando dele proveitos personalizados, secundários e ocasionais.
  • John Lorezhas quoted3 months ago
    Em regra, nas cidades mencionadas, foram os serviços associados ao artesanato urbano que deram ao liberto condições de ascensão econômica e social. No período em que as famílias dos fazendeiros paulistas começam a fixar residência em São Paulo e em que se acentua a diferenciação do sistema econômico da cidade, o liberto se defrontou com a competição do imigrante europeu, que não temia a degradação pelo confronto com o negro e absorveu, assim, as melhores oportunidades de trabalho livre e independente (mesmo as mais modestas, como a de engraxar sapatos, vender jornais ou verduras, transportar peixe ou outras utilidades, explorar o comércio de quinquilharias etc.).
  • John Lorezhas quoted3 months ago
    Ao contrário do que sucedeu em cidades como Recife, São Salvador e Rio de Janeiro, o liberto encontrava escassas probabilidades de se entrosar compensadoramente a esse nicho, em que desabrochava a ordem social competitiva. É verdade que os dados sugerem que em 1872 existiam 5.761 pardos livres e 2.090 negros livres, para 950 pardos escravos e 2.878 negros escravos; e que, em 1886, para 593 escravos, tínhamos 6.450 pardos livres e 3.825 negros livres. Contudo, as mesmas fontes que fornecem esses dados indicam que as oportuni
  • John Lorezhas quoted3 months ago
    Assim se explica por que o clamor por medidas compulsórias – que obrigassem o ex-escravo ao trabalho e o “protegessem”, promovendo sua adaptação ao estilo de vida emergente – se tenha extinguido com relativa rapidez e sem deixar nenhum fruto ou qualquer vestígio de generosidade. Perdendo sua importância privilegiada como mão de obra exclusiva, ele também perdeu todo o interesse que possuíra para as camadas dominantes. A legislação, os poderes públicos e os círculos politicamente ativos da sociedade se mantiveram indiferentes e inertes diante de um drama material e moral que sempre fora claramente reconhecido e previsto, largando-se o negro ao penoso destino que estava em condições de criar por ele e para ele mesmo.
  • John Lorezhas quoted3 months ago
    Os efeitos dessa concorrência foram altamente prejudiciais aos antigos escravos, que não estavam preparados para enfrentá-la. Mas correspondiam aos interesses dos proprietários de terras e donos de fazendas, tanto quanto aos mecanismos normais da ordem econômica emergente.
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