Ubu Editora

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    Os pressupostos e consequências dessa ideia são irredutíveis (como mostrou Lima 1995: 425-38) ao nosso conceito corrente de relativismo, que à primeira vista parecem evocar.
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    como muitos antropólogos já concluíram (embora por outros motivos), a distinção clássica entre Natureza e Cultura não pode ser utilizada para descrever dimensões ou domínios internos a cosmologias não-ocidentais sem passar antes por uma crítica etnológica rigorosa.
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    multinaturalismo para assinalar um dos traços contrastivos do pensamento ameríndio em relação às cosmologias “multiculturalistas” modernas.
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    Enquanto estas se apoiam na implicação mútua entre unicidade da natureza e multiplicidade das culturas – a primeira garantida pela universalidade objetiva dos corpos e da substância, a segunda gerada pela particularidade subjetiva dos espíritos e do significado{2} –, a concepção ameríndia suporia, ao contrário, uma unidade do espírito e uma diversidade dos corpos. A cultura ou o sujeito seriam aqui a forma do universal; a natureza ou o objeto, a forma do particular.
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    Como está claro, penso que a distinção natureza/cultura deve ser criticada, mas não para concluir que tal coisa não existe (já há coisas demais que não existem). O “valor sobretudo metodológico” que Lévi-Strauss (1962b: 327) veio a lhe atribuir será, aqui, entendido como valor sobretudo comparativo.
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    O estímulo inicial para esta reflexão foram as numerosas referências, na etnografia amazônica, a uma concepção indígena segundo a qual o modo como os seres humanos veem os animais e outras subjetividades que povoam o universo – deuses, espíritos, mortos, habitantes de outros níveis cósmicos, plantas, fenômenos meteorológicos, acidentes geográficos, objetos e artefatos – é profundamente diferente do modo como esses seres veem os humanos e se veem a si mesmos.
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    “O ser humano se vê a si mesmo como tal. A lua, a serpente, o jaguar e a mãe da varíola o veem, contudo, como um tapir ou um pecari, que eles matam”, anota Baer (1994: 224) sobre os Machiguenga.
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    Esse “ver como” refere-se literalmente a perceptos, e não analogicamente a conceitos, ainda que, em alguns casos, a ênfase seja mais no aspecto categorial que sensorial do fenômeno; de qualquer modo, os xamãs, mestres do esquematismo cósmico (Taussig 1987: 462-63) dedicados a comunicar e administrar as perspectivas cruzadas, estão sempre aí para tornar sensíveis os conceitos ou inteligíveis as intuições.
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    Em suma, os animais são gente, ou se veem como pessoas. Tal concepção está quase sempre associada à ideia de que a forma manifesta de cada espécie é um envoltório (uma “roupa”) a esconder uma forma interna humana, normalmente visível apenas aos olhos da própria espécie ou de certos seres transespecíficos, como os xamãs.{3} Essa forma interna é o espírito do animal: uma intencionalidade ou subjetividade formalmente idêntica à consciência humana, materializável, digamos
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    Teríamos então, à primeira vista, uma distinção entre uma essência antropomorfa de tipo espiritual, comum aos seres animados, e uma aparência corporal variável, característica de cada espécie, mas que não seria um atributo fixo, e sim uma roupa trocável e descartável.
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